sexta-feira, 26 de junho de 2009

Rito de Iniciação

Fomos apresentados. Cara legal. Bastante compreensivo com minhas encanações da época. Saímos várias vezes como amigos, sem nada rolar, apenas para conversar.

Engraçado que me lembro de algumas tontices que eu fazia, como paquerar garotas nessas ocasiões. Sabia que ele ficava chateado, afinal, ele estava lá sendo o Rei da Paciência, e eu, com aqueles jogos (in)conscientes. Hoje olhando para aquela época, compreendo que aquelas eram atitudes de fuga. Fazia aquilo para frisar minha masculinidade, para arrumar uma brecha quando estava assustado com a situação.

Nessas saídas, ele me explicava tudo sobre o “mundo gay”, desde os significados de Barbie, bofe ao famoso radar. Tentava me mostrar quão natural aquilo era. Um dia, uma amiga dele de outra cidade, que curtia garotas, foi visitá-lo. Ela estava mal porque sua namorada havia terminado o namoro.

Foi a primeira garota naquela situação que eu conhecia. Longe dos estereótipos, era uma moça doce, bonita e simpática. Aquilo me deixou bastante à vontade. A conversa estava animada e eu me sentia cada vez mais seguro. Ainda assim, por mais que tudo conspirasse a meu favor, sentia mesmo era vontade de estar com meu amigo (post "Fiat Lux").

Depois do bar, fui levá-los embora. Já com muita cerveja na cabeça, o cara me convidou para dormir lá. Dizia ele:

- Sem maldade. Juro! Os caras que moram comigo estão viajando. Tem quarto só para você.

E lá fui eu.

Tomei uma ducha. Quando ia dormir, ele entrou no quarto. Sentou-se na cama. Eu, por minha vez, afastei-me em direção à porta. Uma cena no mínimo engraçada. Eu da porta e ele na cama. Parecia que havia um precipício no meio e que nenhum dos dois poderia ultrapassar. Nesse posicionamento tático, ficamos conversando. Ao mesmo tempo,
sabia o que ele queria. Estava curioso.

De repente, do nada, sei lá o que aconteceu. Eu caminhei até ele, segurei-o pelos braços e dei-lhe um baita beijo.

Foi meu primeiro beijo em um cara. Uma sensação diferente, barba raspando. Ambos de shorts, foi também a primeira vez que eu senti um pau duro. O meu também estava. Latejava. Daí entendi a expressão “briga de espadas”. E a coisa iria longe se eu em determinado momento não o pegasse no colo e levasse para fora do quarto.

Dormi estranhamente, sem sonhos. Nem bem, nem mal. Não sabia se tinha gostado ou não. No dia seguinte, na mesa do café-da-manhã, ele todo animado. Eu pelo contrário, senti asco. Me dava nojo de tocá-lo. Ele se aproximava, eu me distanciava.

Provavelmente não estava com a cabeça completamente aberta e preparada para o que aconteceu. Pensando melhor depois, também percebi que não queria ficar com ele. Curtia mesmo era meu amigo. O cara serviu mesmo para matar uma curiosidade, ainda que eu não tivesse clareza disso na época.

O destino ainda fez que nesses 10 anos que se passaram eu e o cara que beijei naquele dia nos encontrássemos diversas vezes. Resistindo aos diversos flertes dele, nunca mais tive vontade de beijá-lo. Aquela sensação ruim que ficou depois daquela noite, de um modo ou de outro, permaneceu, ainda que eu tenha nesse tempo, muito mudado.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Coraggioso?

Minha situação: curtindo demais o melhor amigo. Definitivamente o cara era hétero. Nem punha isso em dúvida. O que fazer? Não fiz nada. Me fingi de morto.

O duro é que nessas horas, "nada" talvez seja o pior que se tenha a fazer. Acaba-se por tapar a bomba com um pano, de modo que ela vai cozinhando, se aquecendo e o que em um primeiro momento poderia apenas estalar, quando se percebe, é capaz de um estouro que te tira do eixo.

Voltei a ficar ansioso. Seus convites para sair eram dolorosos. Por um lado, era ótimo estar com ele. Por outro, era angustiante. E já não queria voltar a me distanciar, por achar uma atitude extremamente egoista. Afinal, éramos amigos.

Comecei a prestar atenção em outros homens. Até então nunca tinha me imaginado com nenhum cara fora meu amigo.

Na época, morava em um prédio que tinha outros apartamentos com estudantes. Lá conheci um cara que, apesar de não gritar aos 4 ventos que curtia cara, tinha um buxixo acerca de sua sexualidade.

De conversas de elevador, um dia ele me convidou para ir a uma festa do curso dele. Acabei indo junto com outras pessoas do prédio.

Lá, conheci muita genta, mas nada diferente de uma festa. Até que uma hora prestei atenção na conversa de duas amigas minhas, que apontavam para um cara:

- Que cara lindo. Que corpo!

- É verdade. Eu o conheço. Ele fazia ginástica olímpica até algum tempo atrás. Mas nem adianta olhar. É um desperdício, mas ouvi dizer que o lance dele é cara.

- Duvido. Você tá tirando uma comigo...

E o cara era boa pinta mesmo. Na hora paguei um pau. Mais tarde, fiquei todo felizão quando o amigo do prédio veio apresentar umas pessoas para meu grupo, dentre elas, esse cara. Batemos papo. Ficou por aí mesmo. E dali, fui para casa com o cara na cabeça.

Passados alguns dias, entro no elevador e lá estava o amigo que me convidara para a festa. Já começou me zoando:

- Ae Ragazzo, conquistando corações, hein?! hehehe

- Como?

- O Zé veio perguntar de você para mim. Pagou um pau pra você.

- Tá louco? Tô fora... ehhehe

- Pode ficar tranquilo. Já falei que o seu lance é outro. Tô só tirando uma mesmo... hehe

E o elevador chegou. Despedimo-nos. Duas noites mal dormidas depois, toquei no apartamento de meu amigo de elevador. Com receio de faltarem palavras, fui na estratégia "ou-vai-ou-racha". Mais seco, impossível:

- Ragazzo? Você aqui? Tá precisando de alguma coisa?

- Você já beijou algum cara na vida?

Meu amigo de elevador deve ter passado por todas as cores do arco-íris. Ficou sem ar. Ficou quieto, gaguejou. Ao fim, disse:

- Já. Mas de boa, não comenta,ok? Desculpe ter zoado com você no elevador aquele dia, mas é que achei engraçado meu amigo ter ficado a fim do Ragazzo. Como disse, ele não vai te encher o saco. É um cara sossegado.

- Não é isso, cara. Vim aqui para te pedir duas coisas. A primeira, é que quero que você me apresente a ele. A segunda é que quero que você faça isso de um modo que ninguém fique sabendo.


Ele ficou branco. Achei que ia ter um troço na hora.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Fiat Lux

Se a memória não ajuda na demarcação de tudo que vivemos, ao menos algumas vezes revela alguma cicatriz de alguma brasa do passado. E hoje é sobre uma dessas tatuagens naturais que quero falar um pouco.

Ao contrário de muita gente que diz que se percebeu tendo uma atração por caras desde pequeno, comigo não foi assim. A primeira vez que senti crescendo a vontade de estar junto com um cara, ainda que não fosse, a princípio, de uma maneira sexualizada, ocorreu durante o colegial.

Tinha um grande amigo, com quem a convivência era tamanha que um dia me peguei preferindo estar com ele à minha namorada. Aquilo me assustou. No dia em que me peguei fazendo sexo fantasiando-o, estremeci de vergonha. E ali, ofegante, próximo do gozo, fiat lux. Fez-se uma luz opaca, que cegou os olhos e feriu a alma. Senti-me machucado no orgulho, nas convicções. Como poderia ter aquele desejo que eu mesmo nunca gostaria de ver em um filho?

Tentava me enganar. “Não, Ragazzo, você está só querendo coisa nova. Aventura está no seu sangue. Do mesmo jeito que você curte uma mochila nas costas e dar as caras em um país desconhecido vez por outra, você também está querendo conhecer outras terras sexuais”. Outras vezes: “Não, Ragazzo, o cara é tão seu amigo que às vezes pode rolar uma confusão. É apenas excesso de intimidade”.

Na época morava em uma capital. Estávamos próximos do vestibular. Passei na melhor universidade do estado em um curso muito disputado, relativamente próximo à casa da família, mas preferi estudar em outro estado. Queria fugir de mim. Afinal, quem sabe assim não fugiria daquele sentimento novo também?

Algumas semanas antes de minha mudança, esse meu amigo chegou a mim e disse: “Ragazzo, quer saber de uma coisa? Não passei em nenhuma faculdade. Decidi. Vou mudar com você para lá. Em uma cidade menor ao menos eu vou estudar mais.” Na hora fiquei feliz, mas ao mesmo tempo apreensivo. Afinal, um dos motivos da fuga era ele. E agora me via encurralado.

Moramos juntos por 6 meses. Somente amizade. Ambos com namoradas na capital. Um mês depois, as namoradas rodaram. Afinal, a distância não ajudava. Solteiros, saíamos juntos e percebi que ele me chamava mais atenção do que qualquer garota. Nesses 6 meses, não tinha mais vontade de sair com nenhuma outra pessoa. Até que em um momento eu pensei que se não tomasse uma providência, eu estaria frito. Nunca teria coragem de fazer qualquer coisa com ele. Nem eu sabia exatamente o que queria. Aos poucos me via fora de si. Tinha alterações de humor constantes. Já não me sentia tão dono de minha vida.

Resolvi mudar. Agradeci a ele por ter vindo comigo, mas disse que eu precisava de um espaço maior para mim, que não estava muito bem. Menti que era a mudança, que sentia falta da namorada e tal. Aluguei um apartamento só para mim. Distanciei-me dele e por ora foi bom. Estava aliviado. Voltei a ter atração por garotas e creio que o que eu não tinha feito nos 6 meses anteriores, fiz em triplo nos próximos.

Quando me apaixonei por uma garota novamente, me senti no céu. Pensei: “Era só fase!”. Até que no fim do ano recebi um e-mail de meu amigo, sem entender a razão por eu ter me distanciado. Aquilo pesou. Senti-me mal pra cacete. Fomos nos ver e o fogo cresceu. O pesadelo retornou e dali a um mês arrumei uma solução paliativa. Fiquei com um cara - mas não meu amigo - para tentar entender aquilo. Afinal, ele era meu irmão. Nossa amizade era sacra e não queria fazê-lo de cobaia para algo que eu não compreendia.

Mas o resto da história fica para a próxima semana. Hoje já escrevi demais e quero aproveitar o feriadão.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Meta-Vergonha: a vergonha da vergonha

Conversa de msn com um amigo de longa data, que vive dilemas muito próximos dos meus. Temos mesma profissão, estilos de vida parecidos e, acima de tudo, somos dois grandes cabeças-duras.

- Ragazzo, tô saindo do armário. A sensação de liberdade é enorme.

- Como foi isso, cara? (Pergunta genuína. Afinal, ele vive uma situação muito parecida com a minha.)

- Não falei deliberadamante para muitas pessoas, mas não tô mais encanado de virem a descobrir. Assim, tô mais solto.


- E pro Amigão (amigo dele com quem morou por vários anos)? Como foi contar?

- Pra ele eu não contei, não. Afinal, não tem por que. Não tô namorando.

- Mas, cara. Se você não faz questão de esconder, será que ele ouvir da tua boca não é melhor? Você mesmo diz que ele entenderia numa boa. O que te impede?

- Vergonha.

Ponto de basta. Essa resposta calou minha boca de tão sincera.

O que mais incomoda: estar no armário, pois falta ar nele, ou o motivo de estar no armário? Afinal, o problema é externo ou interno?

Faz muito tempo que considero natural a idéia de sair com caras, um passo dado e pronto. Vivo me dizendo que o problema em me assumir está em mudar a relação dos outros comigo, algo puramente social. Será mesmo?

Com essa resposta de meu amigo que, curiosamente, tinha se "assumido" para pessoas que pouco importavam para ele, mas se mantinha no armário para aqueles que prezava, comecei a pensar melhor sobre algumas antigas certezas.

Tentando deixar de lado algumas "crenças irracionais" à moda do blog que o RP recomendou, do que tenho medo? Sou um cara que não tem dificuldades sociais. Sou rodeado de pessoas bem esclarecidas. Em minha profissão não é o fim do mundo curtir caras. Então, por que me esconder?

A resposta me parece de uma ignorância tremenda, mas infelizmente é algo que ainda não consegui lidar direito: à moda de meu amigo, sinto vergonha.

Depois dessa conversa, tentei pensar em alguns indícios do passado que mantêm essa sensação ativa, movida por um impulso muito mais forte do que a razão.

Lembrei de minha mãe apontando para uma reportagem sobre homossexuais, dizendo que aquela era a pior decepção que qualquer filho poderia dar aos pais. Lembrei de um garoto da 5a série que todos xingavam de bichinha (e uma vez eu xinguei junto) por não jogar futebol. Lembrei do meu pai orgulhoso quando me pegou com uma garota na cama no meio de minha adolescência (imagino o que teria acontecido se tivesse sido um cara no lugar). Lembrei dos amigos sempre xingando de viado o cara mais fracote, o cara mais frágil, o cara mais sensível, e eu, (nem sempre) evitando participar do coro, mas ao mesmo tempo não defendendo. Lembrei e me envergonhei, lembrei e me envergonhei, lembrei e me envergonhei... Lembrei, me envergonhei e me assustei.

Me assustei porque, por mais que não me considere com tais características - e creio mesmo que fiz questão de me distanciar delas exatamente pelo fato de curtir caras e querer mostrar que tinha as qualidades contrárias ao estereótipo -, sempre tive medo delas. Afinal, era o que via apontado. Era o receio de um vir-a-ser isso desde pequeno. Daí a vergonha. É como se tudo aquilo fosse verdade e, uma hora ou outra, fosse despontar.

Além disso, no fundo não entra em minha cabeça como um cara que exerce controle sobre a própria vida, que profissionalmente consegue o que quer, que sempre deu as guinadas que quis, sempre se dando bem, acaba não tendo controle sobre a sua sexualidade.

Se pudesse, escolheria curtir tão somente garotas. Seria mais fácil. Curtir caras, no fundo, me parece uma "fraqueza". E falar dessa "fraqueza" é mostrar que aqui, no íntimo, nem tudo é controlável.

A saída? Acabei me endurecendo, tornando-me uma pessoa que analisa, que observa, que aparentemente se doa como um mecanismo de conquista social, sem realmente se doar.

Sim, sei que haverão posts que dirão "Ragazzo, não é assim", "Ragazzo, esses são estereótipos", "Ragazzo, não há de que se envergonhar", "Ragazzo, não há como se ter controle de tudo", "Ragazzo, permita-se" etc. Eu sei disso tudo e concordo, mas de um ponto-de-vista racional. Agora, vir a sentir isso na carne são outros quinhentos. E por ora, nem Freud explica. Ou melhor, explica, mas não soluciona.