sábado, 9 de maio de 2009

A Divina Comédia dos Três Mosqueteiros

Fim-de-semana morno. Ligação de um ex-rolo de outra cidade, que virou amigão.

- Ragazzo, vamos a uma sauna?

- Sei não. Você sabe que não curto.

- Na pior hipótese você fica no bar bebendo.

Como não tinha mesmo planos para aquele dia, acabei indo. Fomos em três. Três mosqueteiros, cada um com um objetivo diverso, um menos nobre que o outro.

Após quase duas horas de viagem, chegamos. Conhecemos o lugar. Na entrada, uma pulseira-coleira, que vira acessório à mercê da imaginação de cada um. Em seguida, um vestiário cheio de espelhos, onde nos trocamos a miradas que usavam as leis da reflexão para nos alcançarem. Decidi ficar de sunga por baixo da toalha, mais por preocupação com higiene do que por um pudor que já há algum tempo perdeu sentido.

Saindo do vestiário, uma sala com o bar e algumas mesas. Pessoas conversando animadamente. Um local menos sexualizado do que pensei que seria. Dali, duas opções: o céu, por uma porta que leva às saunas a seco e a vapor, onde às vezes rola algo a se observar, com vários anjos-demônios nus sob as duchas em clara exibição; ou se pode tomar as escadas para o inferno, o que fica evidente pelos passos rápidos daqueles que tomam tal caminho. No inferno, uma sala de filmes, alguns quartos privativos e um corredor escuro, onde creio que até o diabo entraria com cautela.

Meus amigos foram direto ao céu e ao inferno, e por ali ficaram. Eu preferi o purgatório do bar, suas conversas desprentensiosamente pretensiosas, seus flertes à distância, sorrisos de lado acanhados, olhares que a todo momento se cruzam.

Alguns vieram conversar comigo. Dei atenção a todos, mas sem esbarrar em meu desejo. Um foi mais insistente, mas não invasivo. Era bastante bonito e inteligente, mas faltava-lhe a presença masculina. Lembrava-me mais um garoto do que um homem.

Durante a conversa, cruzei olhar com alguém que me interessou. Corpo troncudo, pernas grossas, ombros largos, bronzeado, com olhar profundo e sorriso discreto.

Ao mesmo tempo, meu interlocutor, no entanto, não se conformava por eu não me sentir atraído por ele. Perguntava: "por quê?". Diante de uma pergunta tão direta, fui igualmente sincero: "Porque me interessei por outra pessoa.". Levantei-me e sentei à mesa ao lado com o cara que havia flertado à distância.

Cara interessante e charmoso, com voz grave e sotaque carioca. Tínhamos estilos de vida parecidos, com a diferença que ele era casado e eu, solteiro. Ainda não sei em que medida isso afetou meu interesse. Naquele momento ética não fazia muito sentido.

Ficamos. Foi bastante bom. Não transamos, de comum acordo, apesar de os corpos pedirem. Não, naquele lugar, não.

Ao se despedir, pediu meu telefone. Eu perguntei: "Para quê? Você acha mesmo que irá me ligar?". Ele disse: "Pode ter certeza que vou". Trocamos os telefones. Ele disse: "Cuide-se aqui. Já aprontou o suficiente por hoje..." e gargalhou. Eu ri junto e 5 minutos depois estava com outro cara.

No vestiário, meus amigos me esperavam. Um deles curtiu demais o lugar. O outro estava quieto e emburrado, dizendo que tinha se interessado pelo cara que eu dei fora, mas que ele passou o resto do dia inconformado por eu ter escolhido outra pessoa. Creio que teve o ego machucado.

Depois de um mês, cá estou. Athos, que havia curtido a sauna, não vê a hora de voltar. Phortos, que havia esquentado a orelha escutando as reclamações do cara rejeitado não pensa em retornar. Aramis, que vos escreve, pensa que foi uma experiência diferente, que, apesar do preconceito que tem com tais locais, vê que eles têm as suas próprias regras, que não precisam ser as suas e nem devem se impor às suas.

Ah, sim, o carioca não ligou para mim, nem eu a ele, como era esperado...

16 comentários:

Anônimo disse...

Interessante isso! O não ligar é uma das regras não escritas? Em lugares como esse deve-se ficar, e o que mais tiver vontade, mas não pode levar pra fora do dito lugar? Não pode evoluir para um relacionamento?

Para ter um relacionamento é preciso conhecer a pessoa em lugares comuns como supermercado, universidade, trabalho, bairro, etc, etc, etc?

São raças diferentes de pessoas? Os homens dos bares gays, das saunas, dos clubes privé, das boates gay são descartáveis, pra desfrute imediato e único.
Os homens gays ou bissexuais do dia-a-dia, com quem trabalhamos juntos, estudamos juntos, encontramos no clube no domingo, fazendo compras naquele supermercado perto de casa são para namorar. É isso? Não pode ser assim! Não deve ser assim!

Mas não são os mesmos homens? E aí ficamos em um beco sem saída. Nos lugares comuns os homens se retraem e se fecham, com medo de que descubram que ele curte homens e no "meio gay" só estão interessados no prazer do momento. E aí? Como fica? Complicado, hein?

Uma vez eu li em algum lugar, não lembro se era em um blog, se era um chat (pode até mesmo ter sido aqui) o desabafo de um homem: "Sexo eu consigo fácil. Na hora que eu quiser, quantas vezes eu quiser. Mas conseguir alguém com quem namorar é muito, muito, muito difícil. Parece impossível. Já estou perdendo as esperanças."

Engineer disse...

Sei que saunas desse genêro não devem ser a putaria, nas sua palavras 'lugar mais sexualizado', que imaginei lendo sua postagem. Até porque é praticamente a mesma imagem que tinha, e que a maioria tem, das boates gls.
Mas, da mesma maneira que muitas vezes fui a essas boates, e sempre saí pensando o que eu fazia lá, que, de fato o 'tipo' que eu curtia, discreto e 'normal' como 'todo mundo quer', não estaria por lá, acho que sairia de uma sauna dessas.
Tudo bem, as vezes também acho que acabo idealizando pra caralho, mas, é só voltar a algum desses lugares pra comprovar que .. bem, nem esse mínimo que se espera está por lá.

F. disse...

Eu gosto muito de ler suas histórias.

Anônimo disse...

Liberal, acho que o Ragazzo NÃO disse que "não ligar" era uma regra.

As regras próprias - e implícitas - pelo que entendi, são o respeito aos limites de cada um.

Unknown disse...

muito bom seu blog e a forma como escreve e descreve suas experiências... se tiver afim de mais um "amigo" virtual me add no msn: dadosp5@hotmail.com
Abs!!

Anônimo disse...

ulisses-homero, o Ragazzo não disse que "não ligar" era uma regra, mas disse que "não ligar" era o esperado.

Un ragazzo disse...

Liberal, são interessantes as questões q coloca. Danceterias, saunas, gls ou hétero, são ambientes que, em maior ou menor grau, são criações que visam lidar com o desejo. No caso de ambientes gls, creio que a válvula de escape para o desejo é pior, devido a uma sexualidade reprimida em que, ao ter a oportunidade de ser liberada, sai de modo turbilhonar.

Concordo que são os mesmos homens, mas em tais ambientes há menos doação. Nós mesmos vestimos nossas máscaras de separação dos nós-homens-do-dia-a-dia em prol de nós-homens-que-querem-satisfazer-o-desejo. E na falta de doação do primeiro, só o segundo aparece. Daí a "não espera" pelo telefonema.

Engineer, acontece o mesmo comigo. Antes de ir, sempre penso q "há uma chance de encontrar alguém legal...", mas quando lá estou, percebo q "se há alguém legal, dificilmente sairá algo daqui", e qdo volto, me deparo com um certo vazio: "e mais uma vez ocorreu o esperado".

F., que bom. Espero q continue conosco por muito tempo.

Ulisses-Homero, é isso mesmo, qdo falei das regras, eram das implícitas, que regulam desejo e respeito, constituindo uma "nova ética". Mas tb creio q o Liberal tenha entendido corretamente, mas abrindo uma discussão sobre alguns pontos.

Dadosp5, já está adicionado. Amigos virtuais nunca são demais.

Abraços

Unknown disse...

Também já sai com uma grande sensação de vazio dessas baladas. Acho que o importante e não ir com a intenção de encontrar alguém, e sim de se divertir. Muita expectativa geralmente não traz boas coisas...

Acredito de verdade, que dá pra conhecer um alguém pra vida toda em qualquer lugar...

Já conheci muita gente legal em balada... gente que até tenho contato ainda... que quis se relacionar mais seriamente comigo e eu não quis...

Victor disse...

Descobri o blog hoje e li cada um dos posts. Gostei demais e virei aqui sempre - provavelmente, nas próximas vezes, comentarei o post realmente e não o blog inteiro.

A propósito, não é nem que eu me identifique com as histórias. Tenho dezesseis anos, sou virgem, nunca fiquei com homens e com mulheres, pouquíssimas vezes, embora tenha tido chances.

Sinto ser gay, não bi, como você. Contudo, a facilidade com a qual você conquista me intriga demais e desperta em mim uma inveja à qual eu já me habituei.

De fato, você fala coisas muito verdadeiras. Não planejava comentar nenhum post em especial, mas preciso falar sobre este parágrafo, que mexeu tanto comigo por ser a mais completa verdade:

"Quem eu procuro? O que eu procuro? Atentando-me ao que usualmente me atrai, percebo que as características que me chamam atenção em outro cara são exatamente as mesmas que possuo e aprecio, ou que não possuo, mas gostaria de possuir."

No meu caso, "que não possuo, mas gostaria de possuir" faz bastante sentido. De fato, sinto-me melancólico toda vez que me vejo atraído por um cara porque ele, geralmente, é tudo aquilo que eu trabalho para ser - procurando conhecer certos assuntos, fazendo exercícios ou até mesmo agindo diferentemente.

Talvez o que me deixe triste quando leio seus textos é que você tem um estilo de vida que lhe proporciona conhecer uma pessoa maravilhosa e se apaixonar por ela, mas você simplesmente não gosta de criar laços de afeto. E eu trocaria tudo para ter esse tipo de oportunidade.

Isso parece muito um desabafo, mas é o que eu sinto toda vez que leio seus posts e, embora pareça que eu estou falando mais de mim do que de você (que é na verdade o objetivo de um comentário no seu blog), saiba que eu acho você um escritor genial, que se expressa maravilhosamente bem.

Espero todo o sucesso do mundo para o seu blog e, por favor, não deixe de nos presentear com seus textos maravilhosos e reflexões que dizem respeito tanto a bi quanto a homossexuais.

Abraços.

Unknown disse...

Kara, adorando o blog, muito loko :)

Rodrigo Fontes disse...

Meu caro,

Venho te dar os parabéns pelo seu blog. É um excelente trabalho, tanto pelo conteúdo do mesmo, quanto pelo tema que aborda.

Seu blog me foi recomendado por um amigo bissexual que insistiu que eu lesse o mesmo, ainda que eu não o seja. Simplesmente, fantástico!

Abraços,

Empregador.

Un ragazzo disse...

Tonny, concordo com vc. O q ocorre é q acabamos nos armando de armaduras com receio do fantasma da expectativa.

Pensando bem, creio que acabo generalizando essa armadura que eu uso, mas q talvez nem todos a mantenham. Daí a possibilidade do contra-exemplo.

Victor, que bom q esteja gostando e q tenha se sentido incitado a comentar.

Quando eu falo de bissexualidade, falo de um estilo de vida, mas não necessariamente do foco de meu desejo. Meu desejo maior é por homens, mas fisicamente, por uma questão de facilidade, saio mais com mulheres, mas é algo q tem mudado aos poucos.

Não é q eu não goste de relações de afeto e de envolvimento. Na verdade, busco isso, mas tenho certa dificuldade em deixá-las rolar livremente, mas tb tenho trabalhado isso.

Lamb (esse nick me lembra kebab... nham nham...hehe), seja bem-vindo.

Empregador, que bom que esteja acompanhando. A sexualidade é apenas uma das diversas possibilidades de identificação que espero que esse blog possa propiciar. Assim, que todos participem da discussão. Viva os bi, os homo, os pan, os qqcoisasexuais. Sexualidade é apenas uma das muitas facetas do q somos.

Abraços

Luan disse...

o Liberal falou sobre raças diferentes de gays.

começo a acreditar que existe a segregação. e que talvez ela não seja de todo má.

RP disse...

O importante é curtir sem se forçar a nada, exatamente como fez.

Mas realmente... pra rolar uns beijos e ligações no dia seguinte... a sauna não é o melhor lugar para procurar. Sinto pelo texto que você já sabia disso, não é?

To seguindo!

FOXX disse...

bem interessante aqui

Un ragazzo disse...

Luan, como vai, amigão? Cara, acho que mecanismos de identificação sempre existem. Pessoas com afinidades de comportamento se juntam e isso não é ruim. É humano. Agora segregaçào é uma palavra forte da qual não gosto muito, pois dá uma idéia de intolerância entre esses grupos. Prefiro que essas relações intergrupais sejam pautadas no respeito às diferenças.

Exato, RP, já sabia e no fundo, creio que uma parte de mim ia para lá exatamente por isso.

Foxx, que bom. Continue sempre com a gente!!

Abraços!